Informativo de jurisprudência do STJ 0682 de 04/12/2020.

Nesta semana o periódico elaborado pela Secretaria de Jurisprudência do STJ destacou teses jurisprudenciais firmadas pelos órgãos julgadores do Tribunal, dentre elas, alguns destaques:

Tema: Cédula de crédito bancário. Capitalização diária de juros remuneratórios. Taxa diária não informada. Violação ao dever de informação. Art. 46 do CDC.

Destaque: Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada.

Informações do Inteiro Teor: O tema já foi enfrentado anteriormente pela Terceira Turma, sob a ótica do dever de informação. No REsp 1.568.290/RS. Naquela sessão de julgamento, chegou-se à compreensão de que o consumidor tem direito à informação sobre a taxa diária de juros, no caso de haver cláusula de capitalização diária, uma vez que essa cláusula tem potencial para gerar incremento da dívida.

No âmbito da egrégia Quarta Turma, porém, tem-se entendido pela validade da cláusula de capitalização diária, não se fazendo distinção quanto à informação da taxa diária de juros. Nesse sentido, no julgamento do AgInt no REsp 1.775.108/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 22/05/2019, aquele colegiado se manifestou nos seguintes termos: “a legalidade da capitalização de juros em periodicidade inferior à anual abrange a possibilidade da capitalização diária de juros”.

A divergência de entendimentos acima apontada levou a Terceira Turma a afetar o presente recurso a Segunda Seção.

A capitalização diária de juros remuneratórios, como é intuitivo, pode constituir um fator de incremento da dívida, medida em que os juros são incorporados ao capital dia a dia, ficando sujeitos a nova incidência de juros nos dias seguintes. Tratando-se de financiamentos de longo prazo e com taxas de juros elevadas, o incremento causado pela capitalização diária se mostra significativo, conforme demonstrado no já citado REsp 1.568.290/RS.

Apesar dessa constatação intuitiva, é matematicamente possível calcular uma taxa de juros diária que não represente incremento da dívida em relação à taxa efetiva mensal, assim como também é possível calcular uma taxa mensal que produza resultado equivalente à taxa efetiva anual, não gerando, portanto, incremento da dívida para além dessas taxas efetivas.

Com base nessa equivalência entre taxas, este colegiado chegou à tese do duodécuplo, segundo a qual a previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para informar o consumidor sobre a existência de capitalização de juros. Observe-se que a própria informação das taxas anual e mensal já permitem ao consumidor aferir a equivalência entre as taxas.

Esse raciocínio poderia ser transportado para a capitalização diária, pois a equivalência matemática entre as taxas pode ser obtida em qualquer periodicidade de capitalização.

Nesse passo, aplicando-se o mesmo raciocínio da tese do duodécuplo à hipótese de capitalização diária, o fator de multiplicação seria “30” (pois o mês tem trinta dias), em vez de “12” (que é o número de meses do ano), e a conclusão seria de que a previsão de taxa efetiva mensal superior 30 vezes a taxa diária denotaria a existência capitalização diária. É dizer que, havendo previsão da taxa diária, o consumidor poderia aferir a existência de capitalização diária mediante cotejo entre a taxa mensal pactuada e a taxa resultante a multiplicação da taxa diária por 30, pois se a taxa mensal for superior ao resultado dessa multiplicação, é evidência de que os juros diários foram capitalizados.

No caso dos autos, esse cotejo não é possível, uma vez que o contrato somente prevê uma cláusula genérica de capitalização diária, sem informar a taxa diária de juros remuneratórios, surgindo daí a controvérsia sobre o dever de informação.

Assim, a informação acerca da capitalização diária, sem indicação da respectiva taxa diária, subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual.

A falta de previsão da taxa diária, portanto, dificulta a compreensão do consumidor acerca do alcance da capitalização diária, o que, configura descumprimento do dever de informação, a teor da norma do art. 46 do CDC.

Processo: REsp 1.826.463-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 29/10/2020.

Tema: Contrato de concessão de venda de automóveis. Infrações contratuais graves por parte da concessionária. Condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari (Lei n. 6.729/1979). Descabimento.

Destaque: É descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária.

Informações do Inteiro Teor: Versa a controvérsia acerca dos efeitos da resolução de um contrato de concessão de venda de automóveis na hipótese em que as infrações praticadas pela concessionária foram reputadas graves o suficiente para ensejar a resolução, mas a montadora concedente não observou o regime de penalidades gradativas preconizado pela Lei n. 6.729/1979 (Lei Ferrari).

Vale ressaltar que, embora haja o condicionamento da resolução do contrato por infração contratual à prévia aplicação de penalidades gradativas (art. 22, § 1º, da Lei n. 6.729/1979), é possivel a resolução imotivada do contrato de concessão por qualquer das partes, em respeito à liberdade contratual, sem prejuízo da obrigação de reparar as perdas e danos experimentadas pela parte inocente (REsp 966.163/RS).

Ademais, na hipótese de inexistência de convenção da marca, cabe às montadoras, na condição de concedente, inserir em seus contratos de concessão o regime de penalidades gradativas para atender ao comando legal (REsp 1.338.292/SP), não havendo falar em ineficácia da norma legal, a qual possui aplicabilidade imediata.

Entretanto, na hipótese de ausência de pactuação de penalidades gradativas, há, ainda, a possibilidade de o magistrado emitir juízo sobre a gravidade das infrações imputadas à concessionária, de modo a aferir a culpa pela resolução do contrato (REsp 1.338.292/SP), ou seja, há o suprimento judicial de lacuna normativa.

Outrossim, é descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária, pois a inobservância, pela montadora, do regime de penalidades gradativas não afasta a culpa da concessionária pela resolução do contrato.

Processo: REsp 1.683.245-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 29/10/2020.

Tema: Contrato de prestação de serviços advocatícios. Revogação unilateral do mandato. Previsão de penalidade consubstanciada no pagamento integral dos valores pactuados. Impossibilidade. Direito potestativo de revogar o mandato.

Destaque: No contrato de prestação de serviços advocatícios não é cabível a estipulação de multa pela renúncia ou revogação unilateral do mandato.

Informações do Inteiro Teor: O Código de Ética e Disciplina da OAB (CED-OAB), ao dispor sobre as relações entre cliente e advogado, assevera expressamente que o fundamento que as norteia é a confiança recíproca (art. 10).

Em razão da relação de fidúcia entre advogado e cliente (considerando se tratar de contrato personalíssimo), o Código de Ética prevê no seu art. 16 – em relação ao advogado – a possibilidade de renúncia ao patrocínio sem a necessidade de se fazer alusão ao motivo determinante, sendo o mesmo raciocínio a ser utilizado na hipótese de revogação unilateral do mandato por parte do cliente (art. 17).

Assim, sobretudo pela possibilidade de quebra da fidúcia constante no pacto ente cliente/advogado, há o direito potestativo do patrono em renunciar ao patrocínio (sem prejuízo do cliente ser reparado por eventuais danos sofridos), bem como do cliente em revogar o mandato outorgado (sem prejuízo do causídico em receber verba remuneratória pelos serviços então prestados).

Não obstante a relevância da advocacia (tendo em vista que é por meio do trabalho do advogado que se busca trazer a claridade para dentro dos autos, de forma a colaborar permanentemente à concretização da justiça) e a importância dos honorários (mormente pela inquestionável natureza alimentar da verba), é necessário discutir se há espaço para a aplicação de cláusula de cunho penal que preveja sanção em sendo a situação de renúncia do mandato pelo patrono ou de revogação unilateral por parte do cliente do mandato outorgado.

A cláusula penal representa uma obrigação acessória ao contrato na qual se estipula – previamente – determinada pena ou multa dirigida a impedir o inadimplemento da obrigação principal ou eventual retardamento em seu cumprimento. Possui dupla função, sendo meio de coerção, de modo a obrigar o contratante ao cumprimento da obrigação, bem como sendo instrumento de prefixação de perdas e danos decorrentes do eventual inadimplemento.

Apesar da legalidade da pactuação entre as partes da cláusula penal e da existência de instrumentos legais aptos a corrigir os excessos advindos da mencionada cláusula, as especificidades da relação jurídica contratual de prestação de serviços advocatícios (constantes no Estatuto da OAB e no CED da OAB) acabam por relativizar sua incidência.

Ao se levar em conta que a advocacia não é atividade mercantil e não vislumbra exclusivamente o lucro, bem como que a relação entre advogado e cliente é pautada na confiança de cunho recíproco, não é razoável – caso ocorra a ruptura do negócio jurídico por meio renúncia ou revogação unilateral do mandato – que as partes fiquem vinculadas ao que fora pactuado sob a ameaça de cominação de penalidade.

Dessa forma, a revogação unilateral, pelo cliente, do mandato outorgado ao advogado é causa lícita de rescisão do contrato de prestação de serviços advocatícios, não ensejando o pagamento de multa prevista em cláusula penal. A mesma lógica pode e deve ser aplicada também quando ocorrer o inverso, na hipótese de renúncia do mandato pelo causídico.

Imperioso salientar que cláusula penal existirá nos contratos de prestação de serviços advocatícios, contudo adstrita às situações de mora e/ou inadimplemento, desde que respeitada a razoabilidade, sob pena de interferência judicial. Ademais, ocorrendo a revogação do mandato por parte do cliente, esse estará obrigado a pagar ao advogado a verba honorária de modo proporcional aos serviços então prestados.

Processo: REsp 1.882.117-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020.

Tema: Embargos monitórios. Pedido de repetição de indébito. Art. 940 do CC/2002. Possibilidade.

Destaque: É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos monitórios.

Informações do Inteiro Teor: Tendo em vista que se admite, nos embargos monitórios, nos termos do art. 702, § 1º, do CPC/2015, a alegação de qualquer matéria passível de defesa no procedimento comum, dessume-se que a aplicação da penalidade prevista no art. 940 do CC/2002 pode ser abordada não só por meio de reconvenção ou de ação autônoma, mas também em sede de contestação.

De fato, sob a égide do anterior Código Civil, que dispunha sobre a referida sanção em seu art. 1.531, a Terceira e Quarta Turmas do STJ reconheceram que não há como restringir a aplicação da referida pena ao prévio requerimento do demandado formulado por via exclusiva da reconvenção ou propositura de ação própria. Isso porque entendeu-se que a sanção para esse comportamento ilícito, não obstante tratar-se de norma de direito processual, tem por objetivo punir o abuso do exercício do direito de ação, em típica repressão a ilícitos processuais.

Assim, sob o fundamento de que “o suposto credor, ao demandar por dívida já paga e praticar atos processuais tendentes à cobrança indevida, provoca, ilicitamente, a prestação jurisdicional e movimenta, de forma maliciosa, a máquina judiciária, ofendendo o interesse público”, concluiu-se que o demandado poderia utilizar qualquer via processual para pleitear a sua incidência, até mesmo formulando o pedido em embargos monitórios (REsp 608.887/ES, 3ª Turma, DJ 13/03/2006; REsp 661.945/SP, 4ª Turma, DJe 24/08/2010).

Desse modo, seguindo-se os precedentes desta Corte Superior, que se formaram sob a égide do CC/1916, mas que devem ser mantidos com relação ao art. 940 do CC/2002, a condenação ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado pode ser formulada em qualquer via processual, inclusive, em sede de embargos à execução, embargos monitórios ou reconvenção, prescindindo de ação própria para tanto.

Processo: REsp 1.877.292-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 26/10/2020.

FONTE: STJ