INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ 0686 DE 01/03/2021

Neste início de mês o periódico elaborado pela Secretaria de Jurisprudência do STJ destacou teses jurisprudenciais firmadas pelos órgãos julgadores do Tribunal, dentre elas, alguns destaques:

Tema: Compra e venda de mercadoria pela internet. Recusa ao cumprimento da oferta. Art. 35 do CDC. Ausência de produto em estoque. Cumprimento forçado da obrigação. Possibilidade.

Destaque: O mero fato de o fornecedor do produto não o possuir em estoque no momento da contratação não é condição suficiente para eximi-lo do cumprimento forçado da obrigação.

Informações do Inteiro Teor: Como se infere do art. 35 do CDC, a recusa à oferta oferece ao consumidor a prerrogativa de optar, alternativamente e a sua livre escolha, pelo cumprimento forçado da obrigação, aceitar outro produto, ou rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, somada a perdas e danos.

O CDC consagrou expressamente, em seus arts. 48 e 84, o princípio da preservação dos negócios jurídicos, segundo o qual se pode determinar qualquer providência a fim de que seja assegurado o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação de fazer, razão pela qual a solução de extinção do contrato e sua conversão em perdas e danos é a ultima ratio, o último caminho a ser percorrido.

As opções do art. 35 do CDC são intercambiáveis e produzem, para o consumidor, efeitos práticos equivalentes ao adimplemento, pois guardam relação com a satisfação da intenção validamente manifestada ao aderir à oferta do fornecedor, por meio da previsão de resultados práticos equivalentes ao adimplemento da obrigação de fazer ofertada ao público.

A impossibilidade do cumprimento da obrigação de entregar coisa, no contrato de compra e venda, que é consensual, deve ser restringida exclusivamente à inexistência absoluta do produto, na hipótese em que não há estoque e não haverá mais, pois aquela espécie, marca e modelo não é mais fabricada.

Assim, a possibilidade ou não do cumprimento da escolha formulada livremente pelo consumidor deve ser aferida à luz da boa-fé objetiva, de forma que, sendo possível ao fornecedor cumprir com a obrigação, entregando ao consumidor o produto anunciado, ainda que obtendo-o por outros meios, como o adquirindo de outros revendedores, não há razão para se eliminar a opção pelo cumprimento forçado da obrigação.

Tema: Inscrição do devedor em cadastros de inadimplentes por decisão judicial. Execução fiscal. Art. 1º da Lei n. 6.830/1980. Aplicação subsidiária do CPC. Possibilidade. Deferimento do requerimento de negativação. Desnecessidade de esgotamento prévio de outras medidas executivas. Tema 1026.

Destaque: O art. 782, §3º, do CPC é aplicável às execuções fiscais, devendo o magistrado deferir o requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, preferencialmente pelo sistema SERASAJUD, independentemente do esgotamento prévio de outras medidas executivas, salvo se vislumbrar alguma dúvida razoável à existência do direito ao crédito previsto na Certidão de Dívida Ativa – CDA.

Informações do Inteiro Teor: O objeto da controvérsia é definir se o art. 782, §3º, do CPC é aplicável apenas às execuções de título judicial ou também às de título extrajudicial, mais especificamente, às execuções fiscais.

O art. 782, §3º, do CPC está inserido no Capítulo III (“Da competência”), do Título I (“Da execução em geral”), do Livro II (Do processo de execução”) do CPC, sendo que o art. 771 dispõe que “este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial”.

Não há dúvidas, portanto, de que o art. 782, §3º, do CPC ao determinar que “A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.”, dirige-se às execuções fundadas em títulos extrajudiciais.

O art. 782, §5º, do CPC ao prever que “O disposto nos §§ 3º e 4º aplica-se à execução definitiva de título judicial.”, possui dupla função: 1) estender às execuções de títulos judiciais a possibilidade de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes; 2) excluir a incidência do instituto nas execuções provisórias, restringindo-o às execuções definitivas.

Nos termos do art. 1º da Lei n. 6.830/1980, o CPC tem aplicação subsidiária às execuções fiscais, caso não haja regulamentação própria sobre determinado tema na legislação especial, nem se configure alguma incompatibilidade com o sistema. É justamente o caso do art. 782, §3º, do CPC, que se aplica subsidiariamente às execuções fiscais pois: 1) não há norma em sentido contrário na Lei n. 6.830/1980; 2) a inclusão em cadastros de inadimplência é medida coercitiva que promove no subsistema os valores da efetividade da execução, da economicidade, da razoável duração do processo e da menor onerosidade para o devedor (arts. 4º, 6º, 139, inc. IV, e 805, do CPC).

O Poder Judiciário determina a inclusão nos cadastros de inadimplentes com base no art. 782, §3º, por meio do SERASAJUD, sistema gratuito e totalmente virtual, regulamentado pelo Termo de Cooperação Técnica n. 020/2014 firmado entre CNJ e SERASA. O ente público, por sua vez, tem a opção de promover a inclusão sem interferência ou necessidade de autorização do magistrado, mas isso pode lhe acarretar despesas a serem negociadas em convênio próprio.

A situação ideal a ser buscada é que os entes públicos firmem convênios mais vantajosos com os órgãos de proteção ao crédito, de forma a conseguir a quitação das dívidas com o mínimo de gastos e o máximo de eficiência. Isso permitirá que, antes de ajuizar execuções fiscais que abarrotarão as prateleiras (físicas ou virtuais) do Judiciário, com baixo percentual de êxito (conforme demonstrado ano após ano no “Justiça em Números” do CNJ), os entes públicos se valham do protesto da CDA ou da negativação dos devedores, com uma maior perspectiva de sucesso.

Porém, no momento atual, em se tratando de execuções fiscais ajuizadas, não há justificativa legal para o magistrado negar, de forma abstrata, o requerimento da parte de inclusão do executado em cadastros de inadimplentes, baseando-se em argumentos como: 1) o art. 782, § 3º, do CPC apenas incidiria em execução definitiva de título judicial; 2) em se tratando de título executivo extrajudicial, não haveria qualquer óbice a que o próprio credor providenciasse a efetivação da medida; 3) a intervenção judicial só caberá se eventualmente for comprovada dificuldade significativa ou impossibilidade de o credor fazê-lo por seus próprios meios; 4) ausência de adesão do tribunal ao convênio SERASAJUD ou a indisponibilidade do sistema. Tais requisitos não estão previstos em lei.

Em suma, tramitando uma execução fiscal e sendo requerida a negativação do executado com base no art. 782, § 3º, do CPC, o magistrado deverá deferi-la, salvo se vislumbrar alguma dúvida razoável à existência do direito ao crédito previsto na Certidão de Dívida Ativa – CDA, a exemplo da prescrição, da ilegitimidade passiva ad causam, ou outra questão identificada no caso concreto.

Outro ponto importante a ser fixado é que, sendo medida menos onerosa, a anotação do nome da parte executada em cadastro de inadimplentes pode ser determinada antes de exaurida a busca por bens penhoráveis. Atende-se, assim, ao princípio da menor onerosidade da execução, positivado no art. 805 do CPC.

Tema: Partilha. Anulação. Imóveis. Registro. Herdeiros. Comunhão universal de bens. Citação. Cônjuges. Necessidade. Litisconsórcio necessário.

Destaque: No caso de a anulação de partilha acarretar a perda de imóvel já registrado em nome de herdeiro casado sob o regime de comunhão universal de bens, a citação do cônjuge é indispensável, tratando-se de hipótese de litisconsórcio necessário.

Informações do Inteiro Teor: Conforme determina o art. 1.647 do Código Civil, a alienação, a cessão, a desistência e a renúncia de bens imóveis necessitam de outorga uxória.

O que norteia a conclusão de que o cônjuge do herdeiro deve participar do processo é a correspondência entre a renúncia, a cessão e a desistência com a alienação de bem imóvel. Essa situação fica ainda mais preponderante nos casos em que o herdeiro é casado sob o regime de comunhão universal de bens, pois tudo o que houver sido adquirido por herança passa imediatamente a integrar o patrimônio comum, cabendo ao outro cônjuge por metade.

No caso de ação de anulação de partilha, parece que o mesmo raciocínio deve orientar a verificação quanto à necessidade de participação do cônjuge do herdeiro no processo. Assim, se houver a possibilidade de ser atingido negativamente o patrimônio do casal, com a alienação (perda) de bem imóvel, o cônjuge do herdeiro deve ser chamado para integrar a lide. Caso contrário, é dispensada sua participação.

Na hipótese dos autos, o regime de casamento dos herdeiros é a comunhão universal de bens e a partilha anteriormente realizada contemplou bens imóveis.

Nessa situação, em que os imóveis recebidos pelos recorrentes por conta da anterior partilha já foram levados a registro, integrando o patrimônio comum do casal, mostra-se indispensável a citação do cônjuge do herdeiro para a ação de anulação de partilha. Isso porque poderá haver a perda do imóvel que atualmente pertence a ambos, devendo a lide ser decidida de forma uniforme para ambos.

Vale lembrar, ainda, que de acordo com o artigo 10, §1º, I, do CPC/1973 (art. 73, § 1º, I, do CPC/2015), os cônjuges serão necessariamente citados para a ação que trate de direitos reais imobiliários (art. 1.225 do CC). Nesse contexto, se o imóvel passou a integrar o patrimônio comum, a ação na qual se pretende a anulação da partilha envolve a anulação do próprio registro de transferência da propriedade do bem, mostrando-se indispensável a citação.

Tema: Sociedade anônima fechada. Aprovação das contas. Sócio administrador. Impossibilidade.

Destaque: O fato de a sociedade ter somente dois sócios não é suficiente para afastar a proibição de o administrador aprovar suas próprias contas.

Informações do Inteiro Teor: Nos termos do artigo 115, § 1º, da Lei n. 6.404/1976 (LSA), o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral relativas à aprovação de suas contas como administrador. O artigo 134, § 6º, do mesmo diploma legal, entretanto, ressalva a situação em que os diretores forem os únicos acionistas da companhia fechada, autorizando, nesse caso, que participem da votação relativa aos documentos elencados no artigo 133, dentre os quais, os relatórios da administração, os demonstrativos financeiros e o parecer do conselho fiscal.

O texto legal não faz nenhuma ressalva quanto aos acionistas serem diretores somente em certo período do exercício. Ademais, ao se adotar esse entendimento, estaria se inaugurando um questionamento acerca de qual seria o prazo mínimo para ser afastada a proibição do artigo 115, § 1º, da LSA (uma semana, um mês, um trimestre), esvaziando o conteúdo legal.

Dessa forma, o fato de a sociedade ter somente 2 (dois) sócios não é suficiente para afastar a proibição de o administrador aprovar suas próprias contas, pois o acionista minoritário deverá proferir seu voto no interesse da sociedade, podendo responder por eventual abuso.

Tema: Execução de título extrajudicial. Termo final para remição. Assinatura do auto de arrematação.

Destaque: O termo final para a remição da execução é a assinatura do auto de arrematação.

Informações do Inteiro Teor: A remição da execução consiste na satisfação integral do débito executado no curso do processo e impede a alienação do bem penhorado. Essa prerrogativa está prevista no art. 826 do CPC/2015, cuja primeira parte estabelece que “antes de adjudicados ou alienados os bens, o executado pode, a todo tempo, remir a execução (…)”.

Embora o dispositivo legal colacionado faça referência à alienação, não se pode olvidar que a arrematação se trata de um ato complexo que, nos termos do art. 903 do CPC/2015, só se considera perfeita e acabada no momento da assinatura do auto de arrematação pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro.

Nessa linha de pensamento, a doutrina pondera que “mesmo depois de encerrado o pregão, mas enquanto não se firma o auto de arrematação, ou não se publica a sentença de adjudicação, ainda é possível ao devedor remir a execução”.

Logo, a arrematação do imóvel não impede o devedor de remir a execução, caso o auto de arrematação ainda esteja pendente de assinatura.

Tema: Execução de título extrajudicial. Objeto do depósito remissivo. Integralidade da dívida executada e seus acessórios.

Destaque: Para a remição da execução, o executado deve depositar o montante correspondente à totalidade da dívida executada, acrescida de juros, custas e honorários de advogado.

Informações do Inteiro Teor: O art. 826 do CPC/2015 exige, para a remição da execução, que o executado pague ou consigne “a importância atualizada da dívida, acrescida de juros, custas e honorários advocatícios”. Assim, é imprescindível que o executado deposite o montante integral do crédito e seus acessórios.

É axiomático que a importância a que se refere a lei diz respeito ao valor da dívida exigida no processo de execução cuja remissão é pretendida. Intepretação diversa importaria na imposição de ônus adicional ao executado e, consequentemente, em restrição a direito que lhe é assegurado, sem qualquer respaldo na legislação processual vigente. Se mais de uma execução estiver em trâmite em face do executado, caso assim o deseje, ele poderá remir aquela que melhor lhe aprouver.

Essa tese encontra suporte, analogicamente, no entendimento doutrinário segundo o qual mesmo existindo diversas penhoras sobre o imóvel, “o depósito do devedor não precisa abranger, necessariamente, o crédito de todos os participantes do concurso de preferências (art. 908). É lícito ao executado escolher a dívida que pretende pagar, talvez com o propósito de extinguir a execução mais adiantada, em que se realizarão os atos expropriatórios. A penhora dos demais credores subsistirá com plena eficácia. O devedor assume o risco de remir logo adiante outra execução, se credor diverso retomar a expropriação do bem penhorado.

Em resumo, para a remição da execução, o executado deve depositar o montante correspondente à totalidade da dívida executada, acrescida de juros, custas e honorários de advogado, não sendo possível exigir-lhe o pagamento de débitos executados em outras demandas.

Tema: Extinção contratual. Cláusula resolutiva tácita. Art. 475 do Código Civil. Pedidos alternativos. Pedido de cumprimento ou a resolução do contrato. Opção do lesado. Momento. Antes da sentença. 

Destaque: Em ação de extinção contratual com cláusula resolutiva, é lícito à parte lesada optar entre o cumprimento forçado ou o rompimento do contrato, desde que antes da sentença.

Informações do Inteiro Teor: Cinge-se a controvérsia sobre pedido formulado de forma alternativa, com fundamento na cláusula resolutiva tácita prevista no art. 475 do Código Civil e não, de obrigação pactuada com natureza alternativa, instituto tratado nos arts. 252 a 256 do mesmo Código.

É lícito à parte lesada optar pelo cumprimento forçado ou pelo rompimento do contrato, não lhe cabendo, todavia, o direito de exercer ambas a alternativas simultaneamente. A escolha, uma vez feita, pode variar, desde que antes da sentença.

Segundo a doutrina, a ação para a resolução do contrato pode ser exercida “em substituição da ação para cumprimento, ainda que esta já tenha sido intentada, desde que não haja sentença, porque só esta (e não o simples pedido judicial) é decisiva e extingue o direito de escolha que, entre os dois remédios, a lei concede”.

Assim, julgado procedente o pedido de condenação do devedor ao cumprimento do contrato, não cabe deferir, simultaneamente, ao credor, a pretensão de resolução do pacto.

Tema: Negócio jurídico processual. Art. 190 do CPC/2015. Limites. Contraditório. Vulnerabilidade da parte. Inexistência. Requisito de validade. Transação de ato judicial. Aquiecência do juiz. Necessidade.

Destaque: O negócio jurídico processual que transige sobre o contraditório e os atos de titularidade judicial se aperfeiçoa validamente se a ele aquiescer o juiz.

Informações do Inteiro Teor: A controvérsia dos autos consiste na verificação dos possíveis limites impostos pelo diploma legal ao objeto do negócio jurídico processual. Na hipótese, a questão é definir a possibilidade das partes estipularem, em negócio jurídico processual prévio, que haverá, em caso de inadimplemento contratual, o bloqueio de ativos financeiros para fins de arresto e penhora, em caráter inaudita altera parte e sem necessidade de se prestar garantia.

De acordo com a doutrina, o negócio jurídico processual é “o instrumento por excelência da autonomia privada, correspondendo justamente à modalidade de ato lícito que permite ao particular escolher os efeitos a serem produzidos, os quais serão tão somente reconhecidos e tutelados pelo ordenamento na medida em que se mostrem compatíveis, estrutural e funcionalmente, com os limites da legalidade”.

O art. 190 do CPC/2015 formalizou a adoção da teoria dos negócios jurídicos processuais, conferindo, assim, certa flexibilização procedimental ao processo, tendo em mira a promoção efetiva do direito material discutido.

É certo que não é de hoje a existência de hipóteses isoladas e tipificadas de negócios jurídicos processuais. Todavia, ganha destaque a sistematicidade com que o novo Código de Processo Civil articulou uma cláusula geral de negociação, consagrando a atipicidade como meio apto à adequação das demandas às especificidades da causa e segundo a conveniência dos litigantes, sempre, é claro, moldada pelos limites impostos pelo ordenamento jurídico.

Assim, não se sujeita a um juízo de conveniência pelo juiz, prevista a recusa de sua aplicação “somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”.

A doutrina preconiza que, nada obstante, quando evidenciado um conflito entre alguma das típicas garantias processuais formadoras da tutela justa (contraditório, igualdade, ampla defesa) e a manifestação volitiva das partes, o magistrado, diante do caso concreto, deverá realizar um exame de ponderação entre os valores colidentes.

No caso, no exercício da função fundamental de conferir efetividade às convenções, preservando a materialidade da garantia constitucional, consideram-se transpostos os limites impostos à celebração, em razão de seu objeto.

Ademais, o objeto de negociação investigado merece reprimenda também pelo fato de transigir sobre atos de titularidade judicial.

Nessa linha de intelecção, no que respeita ao caso concreto, é possível afirmar que todas as vezes que a supressão do contraditório conduzir à desigualdade de armas no processo, o negócio processual, ou a cláusula que previr tal situação, deverá ser considerado inválido.

Noutro ponto, vislumbrando o juiz, na análise do instrumento, que a transação acerca do contraditório não torna uma das partes vulnerável, dada as peculiaridades do caso, é possível reconhecer-lhe validade.