O Supremo Tribunal Federal (STF) deu a palavra final: a histórica concentração no mercado de transporte rodoviário interestadual não pode continuar avançando. O recado veio claro e retumbante no julgamento, finalizado na quarta-feira (29/3), das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 5549 e 6270, relatadas pelo ministro Luiz Fux.
Por sete votos a quatro, os ministros consagraram a constitucionalidade do regime de autorização, que já deveria estar em plena vigência no Brasil desde 2019, para criar linhas de ônibus interestaduais para novos participantes.
Assim, o Supremo deu o recado derradeiro após a queda da liminar do Tribunal de Contas da União (TCU), em meados de fevereiro, que vinha impedindo novas rotas e entrantes nos últimos dois anos.
“Agora é inquestionável a possibilidade de exploração do serviço mediante regime de autorização, o que pode conferir indiscutivelmente maior abertura de mercado, maior concorrência, menor preço, maior qualidade e mais acesso ao usuário”, avalia Beto Vasconcelos, sócio do XVV Advogados e ex-secretário nacional de Justiça.
O julgamento em favor do regime de autorização foi considerado decisivo pela abrangência e profundidade dos argumentos assentados pelos ministros.
Fux fez um longo estudo sobre o regime de autorização no Direito Constitucional e Administrativo brasileiro. Essa análise confirma a legitimidade e a vantagem do regime de autorização, haja vista a regulação do mercado de telecomunicações brasileiro.
Já o ministro Luís Roberto Barroso salientou a necessidade de modernização do serviço regular de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros (TRIP). O ministro destacou que essa melhoria está atrasada, em se tratando de um avanço necessário para combater a formação histórica de oligopólios nesse tipo de serviço.
Barroso mostrou a importância do regime de autorização para maximizar a competividade e, assim, melhorar os serviços prestados aos passageiros no transporte interestadual. “Só a concorrência pode levar a preços mais baixos e a serviços mais seguros e confortáveis”, concluiu.
De acordo com a ANTT, em setembro de 2020, dez empresas operavam 53% do transporte rodoviário de passageiros em âmbito nacional; em 66% dos mercados, há apenas uma empresa atuando e em outros 26%, a concorrência é entre duas.
Para Vasconcelos, o Supremo deu segurança jurídica aos agentes públicos – no caso, à Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) – para concluir a atualização do marco regulatório do setor. E conferiu ainda o mesmo resguardo para o setor privado, que pode investir com a abertura do mercado.
Encerrado o julgamento no Supremo e derrubada a liminar no TCU, especialistas avaliam que não há razão para que a ANTT segure a criação de novas linhas de ônibus interestaduais ou a entrada de novas empresas no mercado.
Há mais de mil pedidos de novas linhas em análise – são rotas que podem beneficiar milhares de passageiros. Nada impediria que a agência deliberasse sobre esses pedidos.
O regime de autorizações passou a valer em 2015, como consequência da Lei 12.996/2014, mas a liminar do TCU, imposta em março de 2021, havia paralisado novas linhas para novas empresas desde então. Também havia chegado a retroagir de maneira a suspender todas as novas autorizações concedidas pela ANTT desde 2019, ano que marcou o término do período de transição para o sistema de autorizações.
Só que o imbróglio do TCU foi desembaraçado em15 de fevereiro. E os julgamentos do Supremo mostraram que não há questões pendentes no Judiciário. Por isso, juristas e o setor cobram ação imediata da ANTT.
“A ANTT, em teoria, é obrigada a cumprir a lei de 2014. O novo marco não é impeditivo para a abertura de mercado. O Brasil está atrás de vários outros mercados que abriram recentemente, como Alemanha e Itália”, destaca o advogado Alexandre Schiller, sócio do escritório Dickstein Advogados.
“É ilegal obrigar os agentes de mercado a aguardar uma transição que o Legislador diz que acabou em 2019. A ANTT tem que mostrar agora com máxima eficiência que é capaz de disciplinar o serviço e abrir o mercado como foi determinado em lei”, acrescenta.
Embora o regime já esteja em vigência, a regulação do regime de autorizações é discutida desde 2015 na agência, entre sucessivas idas e vindas. A proposta mais recente de marco regulatório é de 2020. Está agora na área técnica para, após o parecer da procuradoria da ANTT, passar pelos ajustes finais antes de ir à votação pela diretoria colegiada.
De acordo com cronograma divulgado pela área técnica, é razoável esperar que o novo marco seja votado e publicado antes de setembro deste ano, o que está longe de ser um prazo ágil. Daí a cobrança de urgência por novas outorgas da ANTT.
“Necessitamos, na verdade, de posturas regulatórias que não imponham adversidades e restrições desproporcionais aos players do setor regulado, nem que tenham origem em um olhar enviesado ou inadequado da atividade sobre a qual incida a regulação, sobretudo quando a atividade é estimulada ou intermediada por inovações tecnológicas”, afirmou Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo e sócio-fundador do escritório Justino de Oliveira Advogados.
A aprovação do novo marco regulatório do setor seria capaz de sanar as determinações do STF, sobre a necessidade de a ANTT se adequar à lei 14.298/2022, que promoveu algumas modificações no regime de autorização. O Supremo também estabeleceu que devem ser seguidas as recomendações do TCU.
Assim, o desenvolvimento do TRIP, fomentando sobretudo a oferta do serviço a municípios e populações hoje desatendidas, depende agora da aprovação do novo marco regulatório pela ANTT – na prática, não restam mais obstáculos a novas autorizações. Após o sinal positivo do STF ao modelo, eventuais mudanças seriam necessárias apenas na medida em que possam beneficiar os usuários.
FONTE: JOTA