INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ 069617/05/2021

Hoje o periódico elaborado pela Secretaria de Jurisprudência do STJ destacou teses jurisprudenciais firmadas pelos órgãos julgadores do Tribunal, dentre elas, alguns destaques:

Tema: Compromisso de compra e venda. Imóvel em loteamento. Ação de rescisão contratual c/c reintegração de posse. Pretensão de resolução contratual. Constituição em mora. Intimação através de carta com aviso de recebimento. Recibo assinado pelo devedor. Validade.

Destaque: A constituição em mora para fins de rescisão de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento, sujeito à disciplina da Lei n. 6.766/1979, pode se dar por carta com aviso de recebimento, desde que assinado o recibo pelo próprio devedor, nos termos do art. 49 da norma mencionada.

Informações do Inteiro Teor: O propósito recursal consiste em esclarecer se a intimação prevista no art. 32 da Lei n. 6.766/1979 – a fim de constituir em mora o devedor e, posteriormente, rescindir o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel loteado – pode ser realizada através de carta com aviso de recebimento.

Convém registrar que a Lei n. 6.766/1979 (regente do parcelamento do solo urbano) preconiza, em seu art. 32, que, “vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido 30 (trinta) dias depois de constituído em mora o devedor”. Complementa, no § 1º do respectivo dispositivo legal, que para se dar concretude ao disposto no caput deve ser intimado o devedor/adquirente do imóvel, “a requerimento do credor, pelo Oficial do Registro de Imóveis, a satisfazer as prestações vencidas e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionados e as custas de intimação”.

Assim, para a resolução contratual, reputa-se imprescindível a prévia interpelação do devedor, conforme assentado no § 1º, sendo necessário, ato contínuo, examinar o modo pelo qual deve se realizar essa notificação.

Acerca da temática, é consabido que essa intimação deve se realizar através do Oficial de Registro de Imóveis, segundo a literalidade do art. 32, § 1º, acima mencionado. Entretanto, esse requisito não se mostra absoluto, pois a própria lei prevê expressamente que as intimações e notificações nela previstas “deverão ser feitas pessoalmente ao intimado ou notificado, que assinará o comprovante do recebimento, e poderão igualmente ser promovidas por meio dos Cartórios de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-las” (art. 49, caput). Em caráter residual, admite até mesmo a intimação ou notificação através de edital (art. 49, § 2º).

A exegese que se extrai da leitura conjunta dos arts. 32 e 49 da Lei n. 6.766/1979 denota a intenção do legislador de que a notificação seja feita pessoalmente ao devedor, para que este tenha ciência inequívoca de sua mora e da consequência perniciosa que dela resulta (qual seja, a resolução do contrato com o retorno ao estado anterior das partes, implicando a perda do imóvel), bem como dos exatos termos para purgação, a exemplo do prazo e dos valores para pagamento.

Partindo dessa premissa, não há óbice para que se efetue a intimação por outros meios que demonstrem claramente a constituição em mora do devedor, com a sua ciência indubitável da situação de inadimplência, da possibilidade de rescisão contratual e da forma pela qual podem ser elididos os efeitos da mora.

Assim, tem-se como hábil à constituição em mora do devedor, para fins do disposto no art. 32 da Lei n. 6.766/1979, a intimação através de carta remetida pelo correio com aviso de recebimento, em que o recibo tenha sido assinado pelo devedor, de forma a comprovar a sua ciência inequívoca acerca dos termos da inadimplência, em conformidade com o teor do art. 49 dessa lei.

Cumpre destacar que, em situação semelhante, o legislador admite expressamente a intimação, através de carta com aviso de recebimento, para a constituição em mora do devedor fiduciante de coisa imóvel (art. 26, caput e §§ 1º a 3º, da Lei n. 9.514/1997). Não sendo purgada a mora devida e oportunamente, consolida-se a propriedade fiduciária em favor do credor fiduciário (art. 26, § 7º, da Lei n. 9.514/1997), implicando a rescisão contratual e a perda da posse do imóvel para o credor, assim como prevê a Lei n. 6.766/1979, ressalvadas as respectivas particularidades.

Portanto, a purgação da mora para fins de rescisão de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento, sujeito à disciplina da Lei n. 6.766/1979, pode se dar mediante intimação realizada pelo Oficial do Cartório do Registro de Imóveis (art. 32), pelo Oficial do Cartório do Registro de Títulos e Documentos (art. 49) ou por carta com aviso de recebimento, desde que assinado o recibo pelo próprio devedor, esta última hipótese decorrente da exegese do citado art. 49.

Tema: Petição Inicial. Distribuição. Cancelamento. Ausência de recolhimento de custas. Art. 290 do CPC. Prévia citação ou intimação do réu. Desnecessidade.

Destaque: O cancelamento da distribuição, a teor do art. 290 do CPC, prescinde da citação ou intimação da parte ré, bastando a constatação da ausência do recolhimento das custas iniciais e da inércia da parte autora, após intimada, em regularizar o preparo.

Informações do Inteiro Teor: Inicialmente cumpre salientar que o art. 290 do CPC dispõe que “será cancelada a distribuição do feito se a parte, intimada na pessoa de seu advogado, não realizar o pagamento das custas e despesas de ingresso em 15 (quinze) dias”.

Observa-se, desse modo, que o não recolhimento das custas iniciais – que representa importante pressuposto processual – conduz ao cancelamento da distribuição.

Trata-se, a rigor, de hipótese de indeferimento da petição inicial em virtude da incorreta propositura da demanda por ausência de preparo inicial do processo em formação.

Nesse contexto, ressalte-se que o cancelamento da distribuição prescinde da citação da parte ré, bastando a constatação da ausência do recolhimento das custas iniciais e da inércia da parte autora, após intimada, em regularizar o preparo.

Não bastasse ser indevida a citação da parte adversa, é imperioso observar que, nesse momento procedimental, em regra, qualquer alusão à intimação da outra parte revela-se tecnicamente imprecisa, ante a inexistência de relação jurídica processual triangular ou angular: o réu ainda não integra o processo.

Desse modo, constatada a ausência de recolhimento das custas iniciais e quedando-se inerte o autor após intimado para regularizar o preparo, deve o juiz, sem a oitiva da outra parte – que, em regra, sequer integra a relação jurídica processual -, cancelar a distribuição do processo, extinguindo o feito sem resolução do mérito.

Tema: Recurso de apelação. Julgamento antecipado parcial do mérito. Possibilidade.

Destaque: Os tribunais podem, diante do recurso de apelação, aplicar a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito.

Informações do Inteiro Teor: O art. 356 do CPC/2015 prevê, de forma clara, as situações em que o juiz deverá proceder ao julgamento antecipado parcial do mérito. Esse preceito legal representa, portanto, o abandono do dogma da unicidade da sentença. Na prática, significa dizer que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo. Não há dúvidas de que a decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito da demanda é proferida com base em cognição exauriente e ao transitar em julgado, produz coisa julgada material (art. 356, § 3º, do CPC/2015).

No entanto, o julgador apenas poderá valer-se dessa técnica, caso haja cumulação de pedidos e estes sejam autônomos e independentes ou, tendo sido deduzido um único pedido, esse seja decomponível. Além disso, é imprescindível que se esteja diante de uma das situações descritas no art. 356 do CPC/2015.

Presentes tais requisitos, não há óbice para que os tribunais apliquem a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito. Tal possibilidade encontra alicerce na teoria da causa madura, no fato de que a anulação dos atos processuais é a ultima ratio, no confinamento da nulidade (art. 281 do CPC/2015, segunda parte) e em princípios que orientam o processo civil, nomeadamente, da razoável duração do processo, da eficiência e da economia processual.

Tema: Responsabilidade civil. Matéria jornalística que narrou fatos verídicos ou verossímeis. Dever de informação. Liberdade de imprensa. Direito à crítica e à opinião. Limites. Interesse público e direitos da personalidade. Abuso de direito. Não configuração.

Destaque: Não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.

Informações do Inteiro Teor: A controvérsia principal dos autos está em definir acerca dos limites da liberdade de imprensa em artigos jornalísticos críticos à atuação e ao estilo profissional de certa pessoa em postagens realizadas no portal eletrônico de notícias.

Trata-se do instigante conflito aparente entre direitos fundamentais, consagrados na Constituição Federal de 1988 e regulamentados pela legislação infraconstitucional, quais sejam a liberdade de imprensa – corolário da liberdade de informação e da liberdade de manifestação do pensamento – e os direitos da personalidade, como a privacidade, a honra e a imagem, envolvendo em ambos polos da ação experientes jornalistas.

Vale ressaltar que o exercício do direito de informar apenas será digno de proteção quando presente o requisito interno da verdade, revelado quando a informação conferir ciência da realidade.

Advirta-se, contudo, que não se exige, para a proteção anunciada, uma verdade absoluta, mas, sim, a chamada “verdade subjetiva” que se extrai da diligência do informador, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos. Assim, “para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão de falsidade”.

A “veracidade do fato” consubstancia um compromisso ético com a informação verossímil – o que pode, eventualmente, abarcar informações não totalmente precisas -, que figura como um dos parâmetros legitimadores do exercício da liberdade de informação. Por outro lado, o requisito da verdade não subordina o direito de expressão (em sentido estrito), que consiste na liberdade básica de expressar qualquer manifestação do pensamento humano, tais como ideias, opiniões, críticas e crenças. A conceituação é mesmo intuitiva: trata-se de poder manifestar-se favorável ou contrariamente a uma ideia, mediante a realização de juízo de valor e de crítica, garantindo-se a participação efetiva dos cidadãos na condução dos assuntos públicos do país.

A liberdade de imprensa, nesse cenário, constitui modalidade qualificada das liberdades de informação e de expressão; por meio dela, assegura-se a transmissão das informações e dos juízos de valor pelos jornalistas ou profissionais integrantes dos veículos de comunicação social de massa, notadamente emissoras de rádio e de televisão, editoras de jornais e provedores de notícias na internet.

Destaque-se que a liberdade de imprensa – também chamada de liberdade de informação jornalística – tem conteúdo abrangente, compreendendo: (i) o “direito de informar” e o “direito de buscar a informação” (ambos decorrentes da liberdade de informação que, como pontuado, tem compromisso com a verdade ainda que subjetiva); e (ii) o “direito de opinar” e o “direito de criticar”, que refletem a liberdade de expressão em sentido estrito.

Conquanto seja livre a divulgação de informações, conhecimento ou ideias – mormente quando se está a tratar de imprensa -, tal direito não é absoluto ou ilimitado, revelando-se cabida a responsabilização pelo abuso constatado quando, a pretexto de se expressar o pensamento, invadem-se os direitos da personalidade, com lesão à dignidade de outrem. Assim, configurada a desconformidade, o ordenamento jurídico prevê a responsabilização cível e criminal pelo conteúdo difundido, além do direito de resposta.

Nessa linha de raciocínio, não se pode olvidar que, além do requisito da “verdade subjetiva” – consubstanciado no dever de diligência na apuração dos fatos narrados (ou seja, o compromisso ético com a informação verossímil) -, a existência de interesse público também constitui limite genérico ao exercício da liberdade de imprensa (corolária dos direitos de informação e de expressão),

Como de sabença, pessoas públicas estão submetidas à exposição de sua vida e de sua personalidade e, por conseguinte, são obrigados a tolerar críticas que, para o cidadão comum, poderiam significar uma séria lesão à honra; tal idoneidade não se configura, decerto, em situações nas quais imputada, injustamente e sem a necessária diligência, a prática de atos concretos que resvalem a criminalidade.

Nesse contexto, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.